[ demons ]

dez da noite. as ruas silenciosas porque o inverno chegou com violência. a água a fazer reflectir as luzes dos candeeiros altos. o silêncio é rasgado por uma ambulância distante. ela segue depressa para casa. esta encharcada. já deixou de tentar proteger-se da chuva que cai com força. a roupa preta colada ao corpo fá-la mais magra do que realmente é. ou então é só porque quase corre. o barulho cadenciado dos saltos interrompe abruptamente o silêncio. cruza a esquina e abranda. ele está encostado ao carro. mãos nos bolsos e nenhum movimento. olha-a quando a ouve chegar. aproxima-se devagar. ela abranda. não olha para trás, não pára. mas vai muito mais devagar. ele procura os olhos dela. encontra-lhes um brilho quase previsível. sabia que ia encontrá-la ali. ela treme. a roupa molhada colada ao corpo causa-lhe desconforto. sente uma onda de calor que lhe sobe até ao rosto. afasta o cabelo da cara. olha-o nos olhos, sem medo. e avança para ele. encontram-se a meio da ruela quase silenciosa. estão a 10 centímetros um do outro. ele é pouco mais alto que ela e a diferença é atenuada pelos saltos que a anunciaram. olham-se nos olhos, palavra nenhuma a violar o silêncio. ele levanta as mãos, que põe quase brutalmente nos ombros dela. ela recua dois centímetros, o suficiente para se equilibrar. os dentes cerrados a fazê-la esquecer o frio. o calor dele a chegar-lhe depressa. as mãos dela assentes no peito dele. um beijo. as mãos dele que lhe agarram o cabelo na nuca. o desejo a fazer esquecer o resto. uma rua silenciosa. um beijo que não precisou de palavras. o que vem depois. o que não acaba. sirenes de novo, ao longe. e a rua silenciosa a esconder segredos. o que ele lhe diz sem falar. o que ela lhe diz no sabor dos beijos. a chuva que os abraça. o tempo que parou de contar.

1 comentários:

sahara 05 outubro, 2005 16:01  

e o tempo que também parou deste lado enquanto te lia.

beijo*