* room 12 *
entra. fecha a porta. tira a mão do interruptor. deixa a luz apagada, embora não se veja nada. está uma noite sem luas. começou a chover há meia hora. o chão já está molhado e sente-se já no ar o cheiro da terra. ao longe, uma coruja. em resposta, apenas o restolhar das folhas, que se movem cadentes numa dança ao som do vento. pela janela vêem-se luzes de autoestrada. e ouve-se o silêncio.
entra. fecha a porta. tira a mão do interruptor. deixa a luz apagada; consigo ver-te bem assim. senta-te. sim, pode ser na cama. o quarto não é meu, que diferença faz? não sei porque te trouxe aqui. não faças demasiadas perguntas. não faças perguntas das quais conheces as respostas. antes de perguntares o que quer que seja, pergunta-te e talvez percebas que é escusado. não me digas frases feitas. de coisas banais já vi que chegue. não penses que adivinho tudo o que sentes. posso até achar que sim, mas estarei com certeza longe da verdade. por isso diz-me.
entro. fecho a porta. tiro a mão do interruptor. deixo a luz apagada. não vejo nada. está demasiado escuro aqui dentro. arrasto os pés com medo de bater nalguma coisa. sento-me na beira da cama. apoio os cotovelos nos joelhos e entrelaço os dedos. não sei que te diga. tenho tanto para te perguntar. porque me trouxeste aqui, por exemplo.
porque quero um território neutro. não quero distracções. quero arquivar o que houver para arquivar com a certeza de que os assuntos se enterraram na altura devida. quero partir sem deixar amarras. quero cortar cordas e não deixar fio nenhum esquecido.
não queria que fosse assim. procurei em todo o lado mas perdi o rasto ao que me fizeste sentir. sei que, algures cá dentro, há qualquer coisa. sei que me consomem os silêncios. dói-me ver o teu olhar baço. a pele pálida. as tatuagens que te fiz são agora feridas fundas, não é? não te vou pedir perdão. vou pedir-te ausência.
não vou falar de tatuagens, nem de feridas, nem de olhos baços. a escolha é tua. eu sei o que tenho. sei o que quero. contigo fica a tua consciência, ficam as tuas memórias, as coisas que lamentes e as de que te orgulhes. estou onde sempre estive. ficarei aqui. do resto fica-me só um sabor acre na boca. como uma gota de sangue quente. como uma ferida aberta e tratada com sal.
sabes esperar?
sei tantas outras coisas...
(…)
dois segundos. afastemo-nos um pouco. um palco. um corredor. dois quartos, vistos de lado, corte transversal no cenário. do lado direito, ele e ela. ela enleada nas cordas que lhe sustentam as mãos. ele caído sobre a cama. a cruz que o controla na minha mão. pouso-a. mexo ainda uma corda que lhe mexe o maxilar. como se fosse dizer ainda alguma coisa. penso. não diz nada. o silêncio. desembaraço as cordas dos braços dela e há um gesto que poderia ser um abraço. penso. pouso-a. não o abraçará. decido assim. separados. mortos. marionetas com que brinquei esta tarde. bonecos silenciados porque assim quero. vidas que manipulo como bonecos. seres sem vida, sem alma, sem vontade. seres que sou eu e as minhas mãos. mortes que eu controlo nas palmas das mãos. poderia ser assim.
3 comentários:
bem, de cada vez que aqui venho - e já vim várias vezes só para (re)ler este texto - nunca consigo escrever nada que possa exprimir aquilo que realmente sinto sem correr o risco de me repetir, dizendo as mesmissimas coisas que disse até aqui.
brilhante!
reti uma frase que me deixou a pensar durante imenso tempo: sabes esperar?
é tão importante, às vezes...
:)
ps: com o trabalho e a faculdade não tenho tipo oportunidade de te dar um bocadinho do meu tempo para falarmos no msn. bato com a mão na testa sempre que olho para a janelinha e lá estás tu... mas há-de chegar o dia!
Este texto tem uma dimensão imensa. Rebateu e estourou em cada canto de mim onde ainda se ouve o estilhaçar dos arrumos.
Um beijo
VOU ESCREVER O MAIS BÁSICO...; TU ESCREVES MUITA BEMMM!!!!!
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