[ nem sempre ]

não acontece sempre. mas por vezes há palavras que me saltam das pontas dos dedos e se escrevem a si mesmas, como se eu não fosse dona delas, como se elas não fossem donas de mim. escrevo-me e releio-me e nem sempre me encontro nas paragens das vírgulas, nos momentos-silêncio dos espaços entre palavras.

pelo meio, vivo. acordo e adormeço com palavras, silêncios, entremeios. e suspendo-me. por entre as palavras que me fogem e me saltam das pontas dos dedos, como que a dizer-me que já não as posso controlar, já não são minhas nem eu sou delas. cada palavra que escrevo é maior do que eu. cada silêncio que guardo é maior do que eu. porque, afinal, eu sou cada caracter, cada momento de ausência, cada frase suspensa, guardada para o momento seguinte.

e se seguro as palavras nas pontas dos dedos empobreço. porque sustenho em mim coisas que não são minhas, verdades alheias, vidas que me pedem para viver fora de mim e a quem nego existência porque agora não tenho tempo, agora não me apetece escrever, agora não sei como arquitectar esta estória, agora vou adormecer a filha, agora tenho que trabalhar, agora não é o momento. e estas vidas que não são minhas, que vivem para além de mim ficam caladas nas minhas mãos. eu, dona de coisas que não me pertencem.

percebo-o agora. por vezes, não acontece sempre, mas por vezes eu sou só o corpo através do qual outros corpos vivem. e quando escrevo dou vida a mil pessoas, respiro por mil bocas, bato por mil corações. e não posso recusar o mundo a nenhuma destas mil pessoas, não lhes posso recusar a vida, não as posso calar em mim.

é por isso que escrevo. porque, quando escrevo, não sou eu que vivo, são as minhas mil personagens que vivem para além de mim.

2 comentários:

andreia 22 julho, 2008 11:05  

adorei o regresso a este cantinho.

não fiques mais um ano sem voltar :=)

Fatma 29 agosto, 2008 16:46  

Já tinha muitas saudades das tuas palavras. De voltar a "ler-me" (pelos sentidos e personagens que cá entram e ficam) nas tuas palavras. bjinhs