[ tango ]

cabelo apanhado com força, olhos negros esfumados, boca vermelha-pecado. um vestido preto, rasgado até ao cimo da perna direita. meias de rede e saltos altos. atitude felina, de fome, de luxúria, de prazer prometido para mais tarde.

ele olha-a do outro lado da sala, onde está feito voyeur, à espera. ela meneia a anca e passa a mão pelo pescoço, um gesto de sedução pensado ao segundo. avança para ela e agarra-lhe no pulso, puxando-a para si. prende-lhe a mão com força e ela resiste, porque faz parte da coreografia que não existe, mas que ela cria só para si. ele abraça-a com o outro braço e dança. pernas que se entrelaçam, olhos que se comem, as mãos dele pelo corpo dela, o olhar furioso dela, mais por desejo que por despeito e a dança segue. apertam-se como se o mundo fosse acabar por ali e palavra nenhuma os interrompe. só a música, quente, cadente, voraz os penetra com força. e o mundo desaparece e a sala são só eles e os passos de tango que correm por eles como uma torrente.

a música pára, o suor aviva-se na pele. as mãos dele no corpo dela, o vestido rasgado no chão e o desejo a possuir o momento, numa dança de fantasias e promessas por cumprir. como num tango vadio, ouvido entre vielas de buenos aires. como numa vida inventada à pressa, com tudo por refazer.

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