| break even point |

eram seis da tarde e chovia. não era primavera, mas podia ser. o rosto dela prendia-se nas folhas e os olhos vagueavam, soltos e trémulos, perdidos. acabara. não sabia exactamente quando lhe tinham desaparecido do peito os sentimentos, mas sabia que não tornaria a encontrá-los. não sabia porque se tinha deixado arrefecer, mas sabia que não voltaria a agoniar-se. sabia, porém, que estava algures entre morta e vazia e não gostava disso. mas não conseguia prender o olhar a nada que fosse, por mais de três segundos. entrelaçava os dedos como que a perguntar o que haveria de ser de si, mas isso não bastava. não encontraria aí nenhuma das respostas que procurava e apeteceu-lhe chorar. todavia, as lágrimas eram coisa que desaparecera muito antes dos sentimentos e por isso soube-se fria. gélida. pensou que não tornaria a encontrar-se em sorrisos, em mãos alheias. absorveu a sua solidão como uma coisa fatal, que duraria para sempre e, apesar da falta de voz, quis poder cantar um fado. nas janelas sujas a chuva traçava rios. as margens mostravam-lhe que, apesar dos dilúvios, nem tudo desaparece. e as pedras da calçada, lá fora, ensopadas, diziam-lhe que chorasse até não poder mais. mas ela já não podia mais havia muito tempo. por isso não soube se era aquilo uma inevitabilidade ou apenas um estar temporário que se curasse quando o outono morresse e, no frio dos dias pequenos, a vida lhe trouxesse um silêncio qualquer.

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